Wednesday, June 16, 2004

Moradores da cidade ou Cidadãos?

Praia, a capital de Cabo Verde, comemora, este ano, 146 anos de existência. Um kaminhu-longi, feito de muitas resistências, de lentas conquistas mas também de recuos penosos.

Particularmente, nos últimos 20 anos, a cidade cresceu muito e de forma acelerada. Porém, em simultâneo, cresceram também os problemas! De pacata Vila de Praia de Sta. Maria, a volta de pequenos núcleos comunitários, a agora capital de Cabo Verde alberga cerca de 120.000 habitantes, que continuam chegando do interior de Santiago, das outras ilhas e, mais recentemente, da longínqua China e dos países vizinhos do continente africano.

Os laços de pertença identitária com a cidade sofreram muitas alterações, reflexos, também, de rápidas e enormes alterações espaciais, que se notam desde o nortenho bairro de S.Filipe, passando por Ponta D’Agua, Achada Mato e Achada Sto. António, ate se chegar ao pomposo e moderno Palmarejo, com a sua cidadela e outras urbanizações que, com ostentação, já se auto proclamaram a Praia do futuro. E, parece que ka ten tadju: a nossa cidade passa por uma profunda transformação social! De facto, esta a nascer uma nova Praia! Composta de comunidades tradicionais que ainda mantêm alguma memoria social, mas também de novos núcleos habitacionais tendencialmente selectivos, que procuram projectar-se numa outra Praia. No entanto, nesse processo histórico, agitado por politicas eleitoralistas e medidas económicas discriminatórias, a cidade enquanto espaço comum de construção da cidadania foi-se enfraquecendo. Se no passado grupos políticos definiam e ditavam modos de vida às populações, hoje, salvaguardando as devidas diferenças, está-se perante uma substituição de actores que reproduzem o mesmo sistema de exclusão social. Praia, hoje, tornou-se, para uma minoria, num apetitoso palco de disputas económicas e politicas, cujo o objectivo primeiro e a conquista e o controlo pelo poder.

A cidade capital sempre esteve nas mãos daqueles que detêm o poder, refém de uma gestão bastante deficiente que gerou e consolidou privilégios de uma minoria e o esquecimento da maioria. Em consequência, foram-se acumulando situações problemáticas que se arrastam por muito tempo, contribuindo para que, hoje, na Praia, uma parcela dos citadinos sejam desconfiados, passivos e apáticos, e se refugiam no auto-isolamento, atitudes que indicam uma clara resistência à participação na vida da sua cidade. São citadinos que moram nesta cidade mas... estão fora da vida da cidade! Mesmo por fora! Apenas habitam nesta cidade! Pobres citadinos! E pobre cidade também! Ganhou moradores mas não consegue atrair cidadãos! E quando não há cidadãos, não pode haver uma sociedade democrática onde se respeitam os direitos das pessoas e das comunidades. Porque a cidadania e uma manifestação solidária, consciente e livre.

Participar e uma troca simbólica positiva entre um indivíduo e a sua comunidade. Quando acontece o contrario, estamos perante um claro sinal de mal-estar social, pois o cidadão não conseguiu criar o seu espaço de afirmação solidária. E isso verifica-se na cidade da Praia. Nota-se um silêncio por parte do citadino anónimo, uma não resposta do cidadão. Embora, na sua casa, nas esquinas, nos bares e nas tabernas vai acontecendo algum debate e, sobretudo, muita lamentação.

No entanto, algumas tentativas de cidadania activa estão sendo ofuscadas por um ambiente socio-político desgastante e alienante.

Por tudo isso, é urgente a organização dos cidadãos, pois, para a democracia, a cidadania é como o oxigénio: indispensável.


Por Orlando de Borja. Publicado no Boletim A Capital, Nr. 0, Junho 2004. Praia.

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