Publicado no Asemana de 26 Agosto 2010
Cidadela é um bairro da Capital portador de um projecto urbanístico ambicioso, tendo por isso gerado elevada expectativa junto dos Cabo-verdianos. Para além da fabulosa publicidade que à volta dela se fazia, a própria designação em si contribuía para escorar tal ambição. Por: Alcides de Oliveira
Entretanto, considerando a situação crítica por que passa Cidadela e as vicissitudes impostas pela deficiente gestão dos contratos celebrados sob capa de parceria público-privada, a realidade é outra e a expectativa das pessoas estão claramente defraudadas.
Pretende este artigo ser apenas Publish Postum modesto, mas necessário, contributo para, de um lado, evidenciar os reais problemas do quotidiano “cidadelense” e que paulatinamente se vêm tornando crónicos, e, doutro lado, apelar à consciência e ao interesse de instâncias responsáveis, tanto as de natureza pública como privada, no equacionamento desses que são, afinal, problemas de uma comunidade tão importante como tantas outras desta urbe.
Antes de mais, devo dizer que Cidadela tinha e tem um grande potencial intrínseco para se transformar num verdadeiro modelo de urbanização e gestão territorial urbana, mas também do próprio desenvolvimento local sustentado.
Basta pensarmos nas inúmeras facilidades de negócio que um bairro organizado e estruturado como a Cidadela poderia proporcionar a empresas como, por exemplo, a ELECTRA, a CVTELECOM, os CORREIOS, permitindo-lhes mecanismos fáceis e eficazes de controlo/facturação de serviços, claro, desde que sejam em qualidade e quantidade demandadas; basta pensarmos em projectos economicamente auto-sustentados como por ex. a produção de energia limpa (eólica e/ou solar) à escala significativa, podendo atingir mesmo 100% de penetração a nível do referido bairro, traduzindo-se em ganhos valiosos para os moradores, para além do impacto em termos de imagem e projecção que traria ao país na arena regional e internacional; basta imaginarmos o sistema de produção descentralizada e autónoma de água para consumo doméstico, cuja tarifa real actual no bairro em questão ascende os 1.000$00/tonelada, assustando e atropelando bolsos de todos; imaginem... estou a falar de um espaço muito atractivo a investimentos e de elevado potencial para materialização de parcerias.
Diria eu inicialmente, de alguns problemas que vêm afectando significativamente a qualidade de vida de todos aqueles que, há bem poucos anos, acreditaram nas soluções CIDADELA como melhor opção do seu investimento no tocante a edificação do seu lar, problemas esses que passarei a citar:
1. Péssima qualidade, para não dizer ausência, de electricidade e falta de acesso à rede pública de água. Bens vitais, mormente quando falamos de água, esses nunca devem ser manipulados em função de interesses ou caprichos particulares de uma ou outra instituição/empresa. Tornou-se incompreensível a morosidade e a incapacidade de solucionar esses problemas básicos à sobrevivência dos moradores da Cidadela que se agravam dia após dia. Estes, além de serem vítimas da obrigatoriedade de consumir uma energia de qualidade desastrosa pela qual ninguém assume responsabilidade (pois a Electra fornece e factura de boca calada, dizendo até que não fornece, a Tecnicil paga à mesma que afirma não ser sua obrigação, as demais autoridades e entidades ignoram simplesmente a situação), sentem-se ainda obrigados a consumir água potável a um custo exorbitante de mil escudos/m3, nada menos falar em crime público para quem conhece a realidade socioeconómica deste país. Os humanos doutras latitudes, mas deste mesmo planeta, assustam-se logo ao saber dessa arrepiante situação.
2. Inexistência de iluminação pública, deixando todo o bairro totalmente fragilizado em termos de segurança pública. Daí pergunta-se: como debater então a política de iluminação pública aplicando a lógica consumido - pagador num país onde esse bem público é tão mal repartido e mal gerido? Estarão todos os “Cidadelenses” isentos dessa tarifa simplesmente por não disporem nem beneficiarem directamente desse bem público? Ou mesmo compensados por prejuízos acumulados resultantes da ausência do mesmo?
3. Deficiente acesso e ruas em estados deploráveis. Uma área planeada para albergar cerca de vinte a vinte e cinco mil pessoas, praticamente uma pequena cidade, mas com apenas uma porta de entrada/saída. Estaremos sim perante um mega condomínio fechado? Também algo inadmissível. Caso contrário, estaremos a reproduzir série de mega condomínios, típico desses ditos novos e nobres bairros da capital. Basta ver a conexão existente entre ASA e Palmarejo, entre este, Cidadela e Cova Minhoto, entre Cidadela e Palmarejo Grande, entre este e Santiago Golf Resort, etc. Será isto o mote do moderno ordenamento urbano?
4. Degradação ambiental. O processo contínuo da destruição daquilo que é dos maiores patrimónios paisagísticos da área sudoeste da capital, o Monte Vermelho, evidencia inexistência de autoridade em matéria ambiental e patrimonial. Uma agressividade violenta à natureza; um desrespeito ao bem público; desrespeito às gerações jovens e futuras. Agravando ainda a situação, destaca-se, a pouca distância, a maior lixeira da Praia, a céu aberto, brindando uma boa parte dos moradores com a sua paisagem caótica, ao mesmo tempo que os envolve, sequencialmente, em “neblinas” de teor altamente prejudicial à saúde humana. Esgotos e outras tantas lixeiras a céu aberto são realidades bem visíveis espalhadas pelos quatro cantos da Cidadela. Certo de que nessas matérias existem não só autoridades municipais, mas também nacionais, dotados de instrumentos necessários a uma intervenção célere, fica desde já o nosso veemente apelo.
Perante tudo isso, pergunta-se então quem falhou? Ou, então, quem anda a tramar os moradores da Cidadela? Ou, ainda, quem anda a desconstruir a qualidade urbana da Cidade da Praia? Naturalmente que não haverá um único culpado. No referente à Cidadela, não o há com certeza.
A implementação de qualquer projecto de desenvolvimento implica antes de mais, estabelecimento de parcerias, sendo a PPP a forma mais adequada e mais aplicada nesses últimos tempos. Será difícil, neste estado de direito democrático, apurar responsabilidades no caso concreto da Cidadela, onde durante todo o processo de projecção e lançamento todos os intervenientes estiveram visivelmente activos, nomeadamente a Tecnicil a investir na obra, a Câmara Municipal a receber a obra, o Governo a inaugurar a obra, os privados a construir legalmente, a Electra a fazer a instalar e a cobrar taxas de ligação à rede de esgoto e fornecimento de “energia”?
Certamente que, num mínimo de esforço de união, em jeito de parceria, assim como foi o caso por ocasião do lançamento do projecto, ficariam resolvidos os grandes problemas da Cidadela, para o bem dos moradores, das empresas cabo-verdianas e de todo Cabo Verde. Pela parceria, com a parceria. Assim, estaríamos a pensar a Praia do Futuro. E não da forma como vem acontecendo…